Catadores autônomos coletam em média, individualmente, 7,5 toneladas de material reciclável por mês, aponta pesquisa da plataforma Cataki, aplicativo sem fins lucrativos que une produtores de resíduos e catadores. O levantamento, que traça um perfil sociodemográfico e econômico, entrevistou 421 trabalhadores, dos quais 156 usam a plataforma. O questionário foi aplicado em São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Com essa média de coleta, estima-se, por exemplo, que os 1,7 mil profissionais que usam o aplicativo em São Paulo recolhem 1,6 vezes mais do que a coleta seletiva municipal oficial.
O coordenador de advocacy da organização não governamental Pimp My Carroça, Carlos Thadeu Oliveira, que desenvolveu a plataforma, aponta que a estimativa é conservadora e que o impacto é ainda maior. “Só para ter uma ideia, podemos inferir que, em São Paulo, temos algo entre 15 mil e 30 mil catadores informais”, estimou. O dado foi projetado a partir de bases de densidade de habitantes por catador, considerando censos realizados em outras cidades, como Santo André e Porto Alegre. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil tem pelo menos 800 mil catadores.
“A ideia é mostrar que sem eles não vamos atingir meta nenhuma de reciclagem, nem via logística reversa das empresas, nem via coleta seletiva municipal. Se os catadores na forma cooperativa ou na forma de trabalhadores avulsos, não forem incorporados a isso, nós não vamos atingir nenhum percentual razoável de reciclagem e, portanto, de redução de danos climáticos que a gente vê”, avalia Oliveira. A calculadora de impacto do Cataki estima que o trabalho desses profissionais economiza recursos naturais que, por exemplo, abasteceriam com energia elétrica 9,6 milhões de casas por um mês.
Dados
O relatório lembra que o catador autônomo está na rua sem vínculo de emprego, em um cenário de trabalho duro e pouco receptivo por parte da sociedade. Nesse sentido, o levantamento mostra que metade dos usuários do Cataki entrevistados já foi impedida de entrar em estabelecimentos comerciais, 67% foram vítimas de preconceito e 63% apontam terem sido vigiados de perto por seguranças. Para os que não usam a plataforma, 26% disseram já ter tido a carroça apreendida pela prefeitura. Para os que estão cadastrados, 21% tiveram o instrumento de trabalho recolhido.
“[Precisamos] cessar as ações de repressão aos catadores, de apreensão de carroças. Eles são vistos como bandidos ou criminosos que estão disputando reciclável nas cidades. Não é isso. Na verdade, eles fazem todo trabalho de reciclagem desde sempre. Essas prefeituras precisam cessar esse tipo de medida repressiva que são vexatórias e, inclusive, preconceituosas”, critica o coordenador da Pimp My Carroça.
Em relação ao perfil sociodemográfico, 72% dos catadores que usam o Cataki se identificam como negros e pardos. Os não cadastrados somam 81%. “[Entre os usuários da plataforma] É um perfil um pouco mais branco do que o perfil geral dos catadores, mas, mesmo assim, dá para ver que é que é uma categoria profissional que sofre bastante com o racismo ambiental, porque o percentual de preto e pardos é muito maior do que na população em geral”, afirma Oliveira.
Apesar de não ser possível estabelecer uma causalidade direta, ele avalia que a diferença pode estar relacionada ao fato de que a pessoa que utiliza o aplicativo já vem de uma condição socioeconômica melhor e também de maior escolaridade. Entre os usuários do app, 28% concluíram o ensino médio ante 15% entre os não usuários. Entre os não cadastrados, 36% não concluíram o ensino fundamental 1, e 14% dos cadastrados estão nessa faixa.
Entre os entrevistados, os homens são maioria: 75% de não usuários, enquanto 62% entre usuários em São Paulo. Em Belo Horizonte, 80% dos não usuários do aplicativo são homens contra 56% de não usuários. Na capital mineira, 44% das usuárias do aplicativo são mulheres. Já no Rio de Janeiro, 66% dos usuários do aplicativo são homens, e entre não usuários o número sobe para 76%. “Muito provavelmente, pode ser que o aplicativo traga alguma segurança maior para mulheres que fazem esse ofício”, sugere o coordenador.
“A maioria [das pessoas] olha pro catador como que a última opção que o cara tinha era essa. No olhar da sociedade, não é uma escolha, mas uma falta de opção. Não é o mesmo olhar que nós temos como profissional. É um serviço digno”, comenta um dos entrevistados na etapa qualitativa da pesquisa.
Propostas
Oliveira reforça que o objetivo da pesquisa é chamar atenção para esses trabalhadores que são vistos a todo momento nas ruas, mas que, em termos de números e políticas públicas, são invisíveis. “[Queremos] trazer o início do debate em torno das quantidades, desses valores que são movimentados por mãos que são pretas, que são vulneráveis, que são invisíveis e não são objetos de nenhuma política pública efetiva.”
Uma das ações propostas é inserir os catadores de forma remunerada na coletiva seletiva. “Já temos algumas cooperativas que são incluídas, mas elas têm uma renda absolutamente insignificante”, avaliou. Segundo o coordenador, em alguns modelos, o envolvimento das cooperativas é feito com a compra do material reunido por eles, mas Oliveira defende que eles deveriam ser pagos pelo serviço efetivamente prestado.
Ele também defendeu o pagamento por serviço ambiental. “Você está aqui entregando recurso ambiental poupado e deveria ter uma renda mais ou menos fixa por isso. Isso é interessante porque tira o catador da flutuação de preço de mercado do reciclável.”
Além do Poder Público, o coordenador chama atenção para o papel das empresas. “As empresas devem olhar para eles como pessoas que prestam um serviço super qualificado, porque, vale dizer, que a reciclagem feita pelo catador é muito mais eficiente do que uma coleta feita por um caminhão compactador que mistura tudo.”