Tecnologia facilita integração global de cientistas e revela novidades sobre a vida das baleias-jubarte

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As baleias-jubarte, espécie em franca recuperação populacional em águas brasileiras graças aos esforços de conservação, podem ser identificadas pelas marcas naturais na sua nadadeira caudal e assim cada indivíduo pode ser registrado pelos pesquisadores, que usam fotografias para acompanhar sua vida e conhecer para onde elas vão quando deixam sua área reprodutiva em águas brasileiras. O Projeto Baleia Jubarte, um dos mais longos programas contínuos de pesquisa e conservação de baleias do planeta, começou a montar seu catálogo em 1989, e hoje tem quase 8.000 baleias identificadas individualmente, um dos maiores bancos de foto-identificação do mundo.

Quanto maior o catálogo de fotos, mais trabalhoso é fazer a comparação das novas imagens para verificar se uma baleia já foi registrada ou se é um novo indivíduo. Normalmente este trabalho era feito pelo Projeto Baleia jubarte com uma equipe de quatro pessoas, durava aproximadamente oito meses para comparar as fotos de uma temporada e havia sempre com um atraso, trabalhando as fotos que haviam sido obtidas há três ou quatro anos. A partir de 2015, entretanto, o uso da Inteligência Artificial revolucionou o trabalho, com a criação do Happywhale.

Happywhale é uma plataforma que usa dados científicos e de ciência cidadã para a foto-identificação de espécies de cetáceos no mundo. Qualquer pessoa que fotografar uma baleia ou golfinho pode criar uma conta gratuita e carregar a foto, que será comparada pelo sistema com fotos do mundo todo.

Segundo Milton Marcondes, Coordenador de Pesquisa do Projeto Baleia Jubarte, “com o Happywhale o trabalho que fazíamos ao longo de vários meses é feito em poucos minutos. Além disso, as fotos do Brasil são comparadas com fotos do mundo todo, e assim se uma baleia do nosso catálogo for fotografada em outra região nós vamos ficar sabendo”. O Happywhale tem um grau de precisão de mais de 95% nas comparações e o Projeto Baleia Jubarte é o segundo maior colaborador deste programa no mundo, com mais de 11.000 fotos inseridas. “Nós conseguimos atualizar nosso trabalho e descobrir baleias que estavam duplicadas no catálogo por não terem sido reconhecidas pela comparação manual. O sistema tem uma efetividade fantástica, que surpreende por conseguir identificar animais mesmo em fotos que não tem tanta qualidade”, acrescenta Marcondes.

O diretor do Instituto Baleia Jubarte, Enrico Marcovaldi, destaca que o uso da plataforma trouxe outros ganhos, “Nós disponibilizamos através do Happywhale o nosso catálogo com mais de 35 anos de informação para qualquer pessoa acessar. Com isso estamos aumentando nossa transparência, facilitando o uso da informação científica para gerar ações e políticas de conservação, e devolvendo para a sociedade o trabalho que temos feito em prol da conservação das baleias”. Marcovaldi também ressalta que essas informações enriquecem o trabalho de educação e interpretação realizado pelo Projeto com réplicas das caudais de baleias conhecidas, instaladas nos Espaços Baleias Jubarte e em exposições itinerantes. O uso de Inteligência Artificial está, assim, revolucionando o conhecimento e a conservação das baleias jubarte do Brasil.

Existem alguns casos memoráveis de informações conseguidas através do Happywhale:

Maior intervalo entre a primeira e a última reavistagem:

Dois casos se destacam neste aspecto, a IBJ-0261 foi fotografada em Abrolhos em 1989 e esteve desaparecida por quase 30 anos, quando foi fotografada em 2019 nas Ilhas South Sandwich, área de alimentação das jubartes do Brasil. Mas o recorde de maior intervalo entre a primeira e a última avistagem em nosso catálogo pertence à IBJ-0015 sendo de 31 anos (1989 – 2020).

Baleias que trocaram de oceanos:

Tivemos algumas baleias do Brasil e do Equador que mudaram de população. Isso significa que elas trocaram de oceano, saindo do Atlântico Sul para o Pacífico e vice-versa. A IBJ-0611 saiu do Equador em 1996 e veio morar no Brasil onde foi vista em 1998 e 2015. Fazendo o caminho contrário temos a IBJ-1324 que saiu do Brasil (2003) e foi para o Equador (2004 e 2005).

Intercâmbio com a África:

Diversas baleias cruzaram o Atlântico Sul mostrando uma conexão entre as jubartes do Brasil e da África. Esse intercambio resultou na publicação de um trabalho na revista Scientific Reports da Nature. Um exemplo deste intercâmbio é a IBJ-2737, uma fêmea que saiu do Brasil e foi até a África do Sul em 2009, mas diferente do intercambio entre Brasil e Equador, esta baleia retornou ao Brasil. Isso diminui a chance de que mudanças de baleias de uma população para outra ocorram por erro de navegação, mas podem sim ser um indicativo que à medida que a população está crescendo elas estão explorando os oceanos. Esse parece ser o caso da IBJ-7619 avistada inicialmente na África do Sul em 1996, depois em Moçambique 2006, passou por Madagascar em 2009 e mais recentemente foi fotografada no Brasil em 2019.

Link das imagens das baleias do catálogo do Instituto Baleia Jubarte no Happywhale e onde foram avistadas. Os números dentro dos círculos indicam o número de registros. https://happywhale.com/user/2207