Sessenta e nove anos. Essa é a idade de seu Valter Soares, trabalhador rural que há mais de 10 percorre todos os cartórios do município de Canavieiras tentando tirar uma segunda via do seu registro de nascimento. “A resposta é sempre a mesma. Não tem nada no sistema. Para todos os efeitos, o senhor não existe”. Foi cansado de ouvir isso e de ficar todo esse tempo sem poder ir sequer a uma consulta médica que ele resolveu procurar o Ministério Público. “É a minha última esperança, não aguento mais. Não tomei nenhuma dose de vacina da Covid-19 até hoje, só quero poder ir ao médico, dar entrada nos benefícios que tenho direito”, disse ele após ser atendido pela unidade móvel do MP Comunidade e encaminhado ao cartório de registro civil. A ação, primeira edição realizada após a pandemia, esteve nos municípios de Canavieiras e Ilhéus entre os dias 15 e 19 e mais de 600 atendimentos foram contabilizados, dentre eles 81 reconhecimentos de paternidade, 60 acordos de alimentos, 60 exames de DNA, 46 encaminhamentos para retirada de segunda via de registro de nascimento, entre outros serviços.
Outro caso solucionado foi o de Natanael dos Santos, vendedor, que reconheceu espontaneamente suas duas filhas Natália e Cibele, de 4 e 2 anos. “Hoje é um dia muito feliz. A vontade é de sair pulando, já era para eu ter feito isso há tempo. Agora elas terão meu nome e os dos avós para sempre na certidão delas”, disse ele aconselhando outros pais a tomarem a mesma decisão. “Se todos soubessem como é bom sentir o que estou sentindo não perderia mais tempo”, afirmou. Já Jocélia Xavier conseguiu enviar ofício para o presídio onde o pai de seus quatro filhos está cumprindo pena. “Ele registrou as duas meninas, os dois meninos não deu tempo”. A promotora de Justiça Alice Koerich Inácio, da comarca de Canavieiras, onde mais de 380 crianças e adolescentes estavam sem a filiação paterna, declara que retomar esse trabalho após uma pandemia traz uma motivação ainda maior. “Estamos felizes em estar, presencialmente, juntos à comunidade, levando um serviço tão essencial e que trará mudanças efetivas na vida de crianças e jovens e de toda sociedade”.
Em Ilhéus, esse número é ainda maior. Mais de 1.100 crianças e jovens em idade escolar não têm o nome do pai no registro de nascimento.“Esse número nos assustou e buscar reduzi-lo, com certeza, trará mudanças significativas na vida deles. Sem falar na questão econômica, pois permitirá que tenham uma assistência material com o incremento da renda familiar, por meio da pensão alimentícia”, pontuou a promotora de Justiça da comarca de Ilhéus, Mayanna Ferreira Floriano. Ela destacou ainda que os projetos Paternidade Responsável e Viver com Cidadania “representam o MP abrir as portas e ir ao encontro das pessoas, visando garantir direitos e uma vida com mais dignidade”. Durante a ação em Canavieiras e Ilhéus, participaram também a coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça Cíveis, Fundações e Eleitorais (Caocif), promotora de Justiça Leila Seijo, os promotores de Justiça Tomas Bryann Nascimento e Letícia Coutinho Monte Alto, além de assistentes sociais, psicólogas e demais servidores do MP.
MP Comunidade
O “MP Comunidade’ é uma iniciativa do MP estadual que percorre cidades baianas oferecendo os serviços da Instituição. Em Ilhéus e Canaveiras, foram levados serviços de reconhecimentos de paternidade, exame de DNA, acordos de alimentos, regularização de registro civil, entre outras orientações jurídicas, por meio do ‘Paternidade Responsável’ e ‘Viver com Cidadania’. Sobre esses projetos, a coordenadora do Caocife, Leila Seijo, explicou que “inicialmente é feito um levantamento nas escolas municipais e estaduais para identificar crianças e adolescentes sem o nome do pai no registro de nascimento. Em seguida, as assistentes sociais e psicólogas da Instituição fazem palestras de conscientização com essas mães e convidam os supostos pais para comparecerem durante as audiências, onde já podem fazer o reconhecimento espontâneo ou o exame de DNA”.
Além disso, a população pode regularizar seus documentos por meio do Projeto Viver com Cidadania. “Há situações em que famílias inteiras estão sem a documentação regularizada e, por esse motivo, não conseguem registrar seus filhos, netos”, afirma Leila. “Essa questão da filiação é muito importante porque, para além dos acordos de alimentos, é possível concretizar a paternidade e trazer às crianças o sentido de família, que é fundamental para sua formação como ser humano”. A realização dos serviços do ‘Paternidade Responsável’ e ‘Viver com Cidadania’ nas cidades de interior pode ser solicitada pelo e-mail paternidade.responsavel@mpba.mp.br ou via contato com a Promotoria de Justiça local. Para mais informações sobre a atuação do MP, ligue 127 ou acesso nosso site de atendimento ao cidadão.